Por Coletivo “O que fazer?”
A atual crise, econômica e política, que estamos vivendo no país demonstra de maneira clara a natureza elitista de nossas estruturas. O momento histórico que vivemos, em cada passo de seu desenvolvimento, tem demonstrado de maneira clara a natureza opressora de classe do Estado capitalista brasileiro, para além de todo imbróglio ideológico sobre a conciliação de interesses e democracia. Longe de representar uma novidade, essa atual conjuntura confirma de maneira cabal as teses marxistas que afirmam o Estado como aparelho opressor de classe, e o momento de crise econômica como período de agudização na luta de classes. Em face da crise estrutural aberta em 2008, vemos uma corrida da burguesia e de seus aliados políticos para atacar de maneira direta e veemente a classe trabalhadora com a finalidade de recompor suas taxas de lucro e de descarregar o grosso da crise nas costas das classes exploradas.
O processo de golpe parlamentar que acompanhamos este ano através da farsa do impeachment justamente demonstra uma característica básica da crise: esta leva não somente a ataques contra os trabalhadores, mas também promove forte divisão no seio das elites. O PT, corrupto partido da ordem burguesa que se utiliza de maneira populista de sua base operária, foi descartado do jogo em favor de representantes mais decididos. Apesar de ter iniciado os planos de austeridade assim como exigiam as elites, o governo de Dilma teria dificuldades em implementar de maneira completa estes planos devido sua base social de apoio. Em face dessa desconfiança burguesa, as correntes mais a direita de nosso parlamento, comandadas pela FIESP e pelas demais grandes associações capitalistas, destituíram um governo referendado pelo sufrágio universal, com o objetivo de impor seu projeto de maneira completa.
Politicamente, as elites reacionárias do país (boa parte delas herdeiras diretas da ditadura militar) tiveram de lançar mão do poder judiciário como ponta de lança em sua guerra contra o PT. Por esse expediente, e se utilizando das mobilizações de direita que se massificaram, os partidos da oposição petista e seus aliados fisiológicos conformaram um grande bloco para romper relativamente com o último referendo de maneira evidentemente arbitrária. Não obstante, a despeito da vontade dos golpistas, um dos motes ideológicos desse processo de ruptura institucional, a bandeira “anticorrupção”, ganhou uma relativa autonomia e veio sujar alguns dos mais proeminentes políticos burgueses além dos petistas (PSDB, DEM, PMDB, PP etc). Esse pequeno desvio judicial do plano original atribuído a Moro e ao STF pelos golpistas é devido às aspirações e anseios das bases sociais colocadas em movimento por todo esse processo político, as quais servem de fator de pressão.
Ainda que seja inevitável o abafamento de todas as operações anticorrupção em curso, com seu retorno ao andamento “normal” da justiça brasileira (isto é, investigações de fachada encerradas com acordos subterrâneos), com a soma de crise política e decadência econômica pela qual passaremos no próximo ano, a tendência que se coloca é a do aprofundamento da fragmentação do Estado brasileiro expressa no conflito e insubordinação entre poderes, aumento do protagonismo da juventude e da classe trabalhadora na cena política, divisão nas próprias elites na disputa por seus interesses econômicos, etc. Quer dizer, no próximo período que se estenderá além de 2017 veremos uma deterioração e tentativa de reorganização da unidade burguesa no país, como já se mostra de forma clara neste final de 2016, como fenômeno da própria dinâmica da crise mundial e das lutas de classes resultantes da resistência contra as medidas de austeridade. Esse cenário de deterioração econômica e de fragmentação da burguesia, e descontentamento das demais classes nos traz os principais ingredientes de uma situação revolucionária, do modo como caracterizada por Trotsky.
A hipótese de que a “Lava Jato” e as demais operações da justiça possam ser levadas até o fim é uma mera ilusão. O poder judiciário é uma das estruturas do Estado capitalista instalado no Brasil, e como tal, atua em última instância para a consolidação dos interesses das classes dominantes. Esse breve, mas significativo, conflito entre o presidente do senado Renan Calheiros e o STF mostra um relativo descontrole entre as estruturas de poder, mas, contraditoriamente, também mostra sua unidade em torno do programa de frente única burguês. Uma vez que o afastamento de Renan da presidência do senado poderia atrapalhar a aprovação das PEC’s, os três poderes se pactuaram e deram uma saída inconstitucional ao decidir manter Renan na presidência para garantir a aprovação inicial de todos os pacotes. Como o que está em jogo na reforma da previdência, no congelamento de gastos públicos e na reforma do ensino médio, são os interesses de distintos setores burgueses, os poderes foram novamente reatados ao cabresto do patrão. No entanto, essa nova amarração mostra de pronto a frouxidão de seus nós.
A opinião pública tem se voltado cada vez mais a uma postura de deslegitimar o jogo político. As manifestações da direita contra Temer, Renan e Cia., ainda que tenham sido atos bem menores e bem menos incisivos, mostram uma deterioração de sua base social de apoio (sobretudo na classe média alta). Além das manifestações abertamente de direita, devemos contabilizar a imensa onda de ocupações de escolas que tomou conta do país, ocupações de fábricas, greves, etc que demonstram que a classe trabalhadora, a despeito de ser traída e enganada pela maioria de suas direções políticas e sindicais, está entrando em cena. Quer dizer, em face do inapelável aprofundamento da crise, como fenômeno objetivo diante dos ataques patronais, a classe trabalhadora vem se levantando. O alto número de abstenções nas últimas eleições municipais é uma prova da crise de legitimidade que se instala no país. Muito ao contrário de significar uma vitória dos oprimidos, como é propagandeado o crescimento das abstenções eleitorais por setores anarquistas e autonomistas, esse fenômeno demonstra uma enorme crise de direção política em nosso país. Esses setores abstencionistas expressam um grande espectro político (da esquerda à direita), o qual não tem encontrado (ao menos na esquerda) organizações que possam canalizar seus anseios, caracterizando um vácuo de representatividade. Num tal cenário, que ainda caminha sob as marteladas da crise econômica, a burguesia terá grandes dificuldades em conseguir impedir a tendência de desagregação política.
Essa dificuldade em se reatar politicamente é pressionada pelo fator econômico. A PEC 55 (congelamento de gastos), a reforma do ensino médio, a reforma da previdência e as medidas do novo pacote econômico que prevê, dentre outras coisas, a redução da multa rescisória em caso de demissão sem justa causa (antevendo um número massivo de demissões no futuro, barateando-as para os patrões), significam, por um lado, uma necessidade das elites para garantir os lucros burgueses e seu jogo político fisiológico e corrupto e, por outro lado, para a classe trabalhadora, a consolidação de um dos ataques mais violentos aos direitos adquiridos da história recente do séculos XX/XXI. Está em curso a instauração de um retrocesso neoliberal sem precedentes em nossa história, o qual, apesar da incapacidade da esquerda dita revolucionária em se mobilizar, não passará sem forte resistência (como as mobilizações deste ano já têm demonstrado). Essa é uma primeira e imediata dificuldade que o programa burguês irá enfrentar.
De outra sorte, para que consiga normalizar as relações de dominação e exploração, as classes dominantes devem garantir um mínimo de estabilidade econômica para que possa cimentar suas bases sociais de apoio. E essa normalização é abalada não só pela resistência da classe trabalhadora, como também pela própria dinâmica da crise internacional.
As manobras e o jogo político da burguesia, preparam anos de recessão e carestia para a massa trabalhadora, segundo dados do DIESSE o primeiro semestre de 2016 foi o pior em relação as negociações coletivas desde 2003. “Pouco menos de um quarto dos reajustes – cerca de 24% – resultaram em aumentos reais aos salários, 37% tiveram reajustes em valor igual à inflação e 39%, reajustes abaixo, tomando por referência a variação do INPC-IBGE1 em cada data-base” (Fonte: DIEESE) *1
O desemprego atinge a percentagem de 11,8 atingindo assim 12 milhões de pessoas no Brasil, a maior taxa desde o início do PNAD Contínua em 2012. *2
Como destacado, a deterioração econômica e consequente instabilidade política brasileira já não expressa apenas o descontentamento da classe trabalhadora (de mãos atadas no período), mas também de setores burgueses que não veem mais em Temer a possibilidade de reestruturar o putrefato estado brasileiro, nesse sentido já flertam com a possibilidade de eleições indiretas (decisão do Congresso Nacional), e até mesmo o chamamento de um Assembleia Constituinte, como setores do PSD e REDE.
Esse quadro demonstra que o fator econômico já incide diretamente na vida política das classes sociais. E o que vemos hoje nacionalmente e internacionalmente é que a debilidade das organizações de esquerda em dar uma resposta concreta aos problemas concretos da classe trabalhadora, abre espaço e tranquilidade para que o vácuo seja ocupado pelos setores de direita. As organizações de esquerda, não apontam um caminho sério e correto para a organização da classe contra todos ataques perpetrados pelos golpistas juntamente com petistas ex-governantes. O PSOL racha do PT que atua de maneira disciplinar como bem aprendeu, faz o jogo colaboracionista, um setor expressivo como o MES de Luciana Genro faz coro com a direita apoiando a ilusão da Lava-Jato, acreditando ser possível uma saída favorável aos trabalhadores por dentro das instituições que justamente legitimam e condicionam o caráter explorador e corrupto da democracia burguesa. Seus parlamentares só usam o nome da classe trabalhadora de maneira oportunista, para galgar eleitores e se acomodarem cada vez mais nos cargos dessa falsa democracia.
No arco do centrismo vemos duas organizações que apesar de levantarem políticas opostas nos últimos tempos, se tocam ao final, fruto de sua natureza política. O PSTU, partido que jogou um papel social-chauvinista em todo o processo do impeachment, fazendo frente com a direita, acredita que a política de Eleições Gerais frente a decomposição deste estado burguês, pode ser uma saída a “esquerda”. Porém o que vemos é que a um processo desse, uma política de eleições gerais (burguesa) só poderá nutrir mais ilusões nesta carcomida democracia.
No outro lado do centrismo à esquerda, mas vacilante também, o que em última instância desarma a classe frente a uma situação como a vivemos, está o MRT. A organização levanta uma política de Assembleia Constituinte (como PSD, Rede e PCO), o que só levaria a dar um respiro as instituições burguesas. Lembremos que esta consigna fora usada pelos bolcheviques na Rússia, frente a monarquia czarista, onde não existia uma instituição democrática burguesa, e que está, só foi utilizada para reorganizar a classe em face das demandas democráticas, mas sabendo que estas demandas só poderiam ser levadas a fundo com uma ditadura do proletariado (como foi), devido a debilidade da burguesia russa. O que de fato aconteceu, é que essa assembleia nunca aconteceu. No caso de hoje, onde o estado burguês fora fruto da assembleia constituinte (88), essa bandeira não tem validade alguma, sua validade serve apenas para dar folego a decadente democracia burguesa
Acreditamos que os revolucionários devem agitar um programa de frente-única operária contra os ataques diretos do governo capitalista, frente ao desemprego: cobrar a abertura dos livros de contabilidade das empresas que demitem em resposta a crise (fruto do sistema exploratório), a defesa de pleno emprego, com o programa de Escala móvel das horas de trabalho e de salários, controle dos preços pelos órgãos de democracia operária. Frente aos ataques feito aos já precários serviços públicos com a PEC 55, defenderíamos a Estatização sobre controle operário de todas máfias da educação, máfias da saúde, dos transportes. Um bem público não pode ser alvo da parasitária iniciativa privada, que lucra em detrimento da maioria trabalhadora.
Frente a corrupta justiça que julga alguns parcos casos de corrupção, pois atua como árbitro das classes dominantes, defenderíamos juris populares, com delegados (revogáveis) retirados pelos locais de atuação da classe trabalhadora, fábricas, escolas, bairros. Como punição, a expulsão dos corruptos do país e a expropriação de todas as suas propriedades, revertidas como bens sociais. Estas bandeiras devem ser levantadas através de lutas, greves, piquetes, paralisações da classe trabalhadora e setores oprimidos.
Entendemos que este programa de lutas ajudaria na reorganização da classe frente aos brutais ataques, inclinando a classe a resolvê-los com suas próprias mãos.
Notas
1-http://www.dieese.org.br/balancodosreajustes/2016/estPesq81balancoReajustes1semestre2016.pdf
2- http://br.advfn.com/indicadores/pnad/2016